“Revelando a hipocrisia da ‘esquerda pro-prostituição'”, de Rae Story

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<< Aproximações liberais aos assuntos industriais nada fazem para ajudar a classe trabalhadora – e isso também se aplica à indústria do sexo.

Como podemos explicar o fenômeno da prostituição? Se a enxergarmos como uma forma de exploração, seria melhor descrita como de gênero ou de classe?

A posição feminista a respeito da indústria do sexo, embora nem sempre bem compreendida, é, certamente, conhecida por ser crítica, especialmente sobre suas manifestações mais tradicionais. Mas o que dizer de uma perspectiva feminista socialista?

Afinal, a constituição da indústria do sexo pode ser mais eficazmente descrita como o aluguel de mulheres migrantes, pobres e da classe trabalhadora, por homens ricos ou de algum modo materialmente confortáveis.

Embora a prostituição seja, sem dúvida, um exemplo das maneiras enraizadas que somos criadas de forma a nos desfavorecer socialmente, nessa dinâmica, isso atinge mais gravemente mulheres de origens economicamente marginalizadas.

De fato, a prostituição é um dos exemplos mais tocantes em que gênero e classe se cruzam na criação de hierarquias sociais.

Existem muitas posições políticas assumidas nos debates sobre prostituição, daqueles que desejam abolir a indústria àqueles que desejam desenvolvê-la e fazê-la crescer, enxergando-a como uma fonte legítima de criação de riquezas.

Existem também aqueles que não iriam tão longe nesse argumento, mas desejam que a prostituição seja descriminalizada, como forma de política progressista com fins de emancipar as trabalhadoras do ramo.

Argumentos sobre a pobreza que atinge as mulheres são frequentemente indispensáveis a essa posição. Se a pobreza das mulheres fosse erradicada, a indústria do sexo diminuiria, mas ao mesmo tempo seria completamente liberta, e não mais atrairia criticismos ou tabus.

Mas esse argumento, utilizado por organizações como o English Collective of Prostitutes (do qual, curiosamente, você não precisa ser prostituta para ser membro), coloca a prostituição exclusivamente sob um ponto de vista descontextualidado da pobreza, como se ela não tivesse nada a ver com gênero, opressão histórica, colonização ou exploração capitalista.

Além disso, o objetivo central desse grupo é a descriminalização da indústria (não apenas das mulheres que estão nela), muito aquém de quaisquer reformas socialistas.

Fomos enganadas para acreditar em uma descriminalização aparentemente progressista, mas que na realidade (como na Nova Zelândia) tem possibilitado o crescimento da desigualdade entre os ganhos dos exploradores da prostituição e o das próprias prostitutas, com multimilionários como os irmãos Chow tendo autorização para reivindicar 70% dos ganhos do comércio sexual em Wellington [1].

Alguém deveria dizer ao ECP e às instituições similares que qualquer política social que institua as condições que permitem a monopolização e o enriquecimento exacerbado dificilmente traz algum benefício para mulheres pobres. Ou para qualquer pessoa pobre.

Contudo, tal retórica – a qual parece perceber que mulheres são desproporcionalmente afetadas pelos cortes à seguridade social, mas não está há tempo suficiente para se perguntar o porquê – é populista e funciona para aqueles que acreditam que o seu apoio à renovação da indústria é “ok”.

A sindicalização das trabalhadoras é frequentemente defendida (embora na Alemanha, onde a prostituição é legalizada, os “sindicatos” das prostitutas tenham poucos e escassos membros), mas isso parece fundamentalmente inadequado nesse contexto.

Dizer que “nós devemos dar liberdade aos patrões para que possamos unir as trabalhadoras contra eles” soa como o líder de uma seita implorando para que você ofereça qualquer poder que possua para que possa ser libertado.

De qualquer forma, buscar a desregulamentação da indústria num contexto de crescimento de desigualdade econômica, decorrentes cortes sobre a seguridade social das mulheres e, agora, de incerteza social e econômica por conta do Brexit, mostra uma falha em diferenciar o que você gostaria que acontecesse, a princípio, (coletivos New Age de prostitutas que recebem benefícios) e o que, de fato, aconteceria.

Quando você tenta usar uma perspectiva superficialmente socialista para enxergar a indústria do sexo, você nem a compreende completamente, nem tem as melhores respostas para os seus problemas.

É por isso que defensores bem intencionados das prostitutas frequentemente se encontram alienados por uma mentalidade de liberalismo opaco, a despeito de toda a sua postura esquerdista.

É verdade que a pobreza e a desiqualdade são fatores que levam à prostituição. A maioria das mulheres pobres não se tornam prostitutas, mas a maioria das mulheres que se tornam prostitutas o fazem, pelo menos em parte, numa tentativa desesperada de fugir da mesmice da pobreza.

O quanto elas sofreram por opressões e violências relacionadas ao sexo ou à raça e o quão limitadas são suas opções de escapar à miséria são fatores atrelados a isso.

As opções que essas mulheres escolhem dentro da indústria também funcionam nesse continuum.

Em 2014, o The Economist publicou um estudo que mostrava como algumas características das mulheres são indicativas do quanto elas podem cobrar, com mulheres atléticas valendo mais que magras ou obesas, escolarizadas valendo mais que não escolarizadas e brancas valendo mais do que negras – aspectos que geram graus de variação relacionados a formas históricas e estruturais de desigualdade.

O estudo também mostrou que uma prostituta também pode cobrar mais por “serviços” mais arriscados, como sexo oral sem camisinha ou sexo com mais de um homem.

Não precisa ser um gênio para entender que mulheres mais vulneráveis devido à sua etnicidade ou nível de escolarização podem ser impulsionadas pelo mercado a se colocarem em maior risco. Mulheres não escolarizadas estavam mais propensas a atender mais homens e trabalhar por mais horas.

Muitos socialistas argumentam que o capitalismo, em sua busca sedenta por mais lucros, vai mercantilizar mais e mais aspectos da vida humana.

Sim, a prostituição tem uma história antiga, mas isso não significa que nós devemos permitir que promotores imobiliários ou donos de cassinos, que constróem bordéis após a legalização, dêem à prostituição um futuro mais sólido.

Precisamos desmascarar a hipocrisia dos que usam chavões e clichés vagamente progressistas para apoiar o crescimento da indústria, seja intencionalmente, seja por ignorância – porque o feminismo socialista se preocupa com a maioria mais vulnerável e mais explorada, não com a minoria mais rica.

Nós devemos retomar a narrativa da justiça social em relação à prostituição daqueles com objetivos volúveis, controversos ou dúbios, porque a prostituição é, certamente, um assunto feminista e socialista. >>
[1] Capital da Nova Zelândia

“Revelando a hipocrisia da ‘esquerda pro-prostituição'”, de Rae Story