“COMO OS ‘INTELECTUAIS’ FRANCESES ARRUINARAM O OCIDENTE: PÓS-MODERNISMO E SEU IMPACTO, EXPLICADOS”, DE HELEN PLUCKROSE

O original pode ser lido aqui.

<< O pós-modernismo representa uma ameaça não apenas à democracia liberal, mas à modernidade como um todo. Isso pode soar como uma afirmação ousada ou hiperbólica, mas a realidade é que o conjunto de ideias e valores na raiz do pós-modernismo rompeu as fronteiras da academia e ganhou grande poder cultural na sociedade ocidental. Os sintomas irracionais e identitários do pós-modernismo são facilmente reconhecíveis e muito criticados, mas o ethos sob eles não é tão bem compreendido. Isso acontece, em parte, porque pós-modernos raramente se explicam claramente, e em parte por causa das contradições e inconsistências inerentes de uma maneira de pensar que nega uma realidade estável ou a existência de um conhecimento confiável. Contudo, existem ideias consistentes nas raízes do pós-modernismo e entendê-las é essencial se desejamos nos contrapor a elas. Elas estão sob os problemas que vemos no ativismo contra a desigualdade social, minando a credibilidade da Esquerda e ameaçando nos jogar de volta a uma tribal e irracional cultura “pré-moderna”.

De maneira simplificada, o Pós-modernismo é um movimento artístico e filosófico que começou na França, nos anos 60, e produziu uma arte ainda mais confusa do que sua “teoria”. Valeu-se da arte de vanguarda e surrealista e de ideias filosóficas anteriores, particularmente as de Nietzsche e Heidegger, por seu anti-realismo e sua rejeição ao conceito de indivíduo uno e coerente. Foi uma reação ao humanismo liberal da arte moderna e dos movimentos intelectuais, o qual era visto pelos proponentes do pós-modernismo como inocentemente generalizante de uma experiência ocidental, de classe média e masculina.

Também rejeitou a filosofia que valorava ética, razão e claridade, sob as mesmas acusações. O Estruturalismo, movimento que (frequentemente com uma auto-confiança exagerada) tentou analisar a cultura humana e a psicologia segundo estruturas consistentes de relações, estava sob ataque. O Marxisno, com seu entendimento da sociedade sob a perspectiva de classe e estruturas econômicas, passou a ser visto como igualmente rígido e simplista. Sobretudo, pós-modernos atacaram a ciência e sua missão de atingir conhecimento objetivo sobre a realidade que independe das percepções humanas, a qual eles viam meramente como mais uma forma de ideologia burguesa, pressupostos ocidentais. Decididamente de esquerda, o pós-modernismo tinha um ethos tanto niilista quanto revolucionário, que ressoava com o zeitgeist ocidental do pós-guerra e pós-império. Na medida que o pós-modernismo continuava a se desenvolver e intensificar, sua fase inicial desconstrutiva, fortemente niilista, tornou-se secundária (ainda que fundamental) à sua fase revolucionária das “políticas identitárias”.

Tem sido motivo de polêmica se o pós-modernismo é ou não uma reação contra a modernidade. A era moderna é o período histórico do Humanismo renascentista, do Iluminismo, da Revolução científica e do desenvolvimento de valores liberais e dos direitos humanos; o período em que as sociedades Ocidentais gradualmente passaram a valorizar a razão e a ciência, em detrimento da fé e da superstição, como caminhos para o conheimento, e desenvolveram um conceito de pessoa como membro individual da raça humana, merecedora de direitos e liberdades, ao invés de apenas parte de vários coletivos, sujeito a hierarquias rígidas na sociedade.

A Enciclopédia Britânica diz que o pós-modernismo “é, em grande medida, uma reação contra os pressupostos filosóficos e valores do período moderno da história ocidental (especificamente, européia)”, enquanto a Enciclopédia Filosófica de Stanford discorda, afirmando que “pelo contrário, suas especificidades [da pós-modernidade] encontram-se na própria modernidade, e o pós-modernismo é uma continuação do pensamento moderno em outro modo”. Eu sugeriria que tais especificidades encontram-se em se nós enxergamos a modernidade em termos do que foi produzido ou do que foi destruído. Se virmos a essência da modernidade como o desenvolvimento da ciência e da razão, bem como do humanismo e do liberalismo universal, pós-modernos são opostos a isso. Se virmos a modernidade como a destruição de estruturas de poder, incluindo o feudalismo, a Igreja, o patriarcado, o Império, pós-modernos estão tentando continuá-la, mas seus alvos agora são a ciência, a razão, o humanismo e o liberalismo. Consequentemente, as raízes da pós-modernidade são inerentemente políticas e revolucionárias, embora de maneira destrutiva ou, como eles colocariam, desCONStrutiva.

O termo “pós-moderno” foi cunhado por Jean-François Lyotard em seu livro de 1979, A Condição Pós-moderna. Ele definiu a condição pós-moderna como “uma incredulidade perante metanarrativas”. Uma metanarrativa é uma explicação coesa e abrangente para fenômenos amplos. Religiões e outras ideologias totalizantes são metanarrativas em sua tentativa de explicar o sentido da vida ou todos os problemas da sociedade. Lyotard advogou pela sua substituição por “mininarrativas”, para obter “verdades” menores e mais pessoais. Ele abrangeu, dessa forma, o Cristianismo e o Marxismo, mas também a ciência.

Para o autor, “existe uma interconexão estrita entre o tipo de linguagem chamado ciência e os tipos chamados ética e política” (p. 8). Ao ligar a ciência e o conhecimento que ela produz ao governo e ao poder, ele rejeita sua reivindicação por objetividade. Lyotard descreve essa incrédula condição moderna como conjuntura geral e argumenta que a partir do fim do século XIX “uma erosão interna do princípio da legitimidade do conhecimento” começou a causar uma mudança no status do saber (p. 39). Na década de 1960, a resultante “dúvida” e “desmoralização” de cientistas houvera causado “um impacto no problema central da legitimidade” (p. 8). Nem uma centena de cientistas dizendo a ele que não estavam sendo desmoralizados ou sequer mais questionados do que conviria aos praticantes de um método cujos resultados são sempre provisórios e cujas hipóteses nunca sao “provadas” poderiam demovê-lo dessas ideias.

Vemos em Lyotard uma relatividade epistêmica explícita (crença em verdades ou fatos pessoais ou culturalmente específicos) e a defesa da “experiência vivida” em detrimento da evidência empírica. Vemos também a promoção de uma versão de pluralismo que privilegia as visões de grupos minoritários ao invés do consenso geral de cientistas ou da ética democrática liberal, os quais são apresentados como autoritários e dogmáticos Nisso consiste o pensamento pós-moderno.

A obra de Foucault também é centrada na linguagem e no relativismo, embora ele os tenha aplicado à história e à cultura. Ele chamou essa aproximação de “arqueologia” porque se via “descobrindo” aspectos da cultura histórica por meio de discursos registrados (falas que promovem ou assumem uma visão particular). Para o autor, a linguagem controla o que pode ser “conhecido” e em diferentes períodos e locais, diferentes sistemas de poder institucional controlam os discursos. Dessa forma, o conhecimento é um produto direto do poder. “Em qualquer cultura e em qualquer momento, há sempre uma única ‘episteme’ que define as condições de possibilidade de todo o conhecimento, seja expresso em teoria ou silencionamente aplicado na prática”. (1)

Ademais, as próprias pessoas foram socialmente construídas. “O indivíduo, com sua identidade e características, é prodto de uma relação de poder exercida sobre corpos, multiplicidades, movimentos, desejos, forças”. (2) Ele deixa quase nenhum espaço para agência individual ou autonomia. Como diria Christopher Butler, Foucault “recorre em crenças sobre o mal inerente da posição de classe, ou profissional, do indivíduo, vista como ‘discurso’, independente da moralidade da conduta individual dele ou dela”. (3) Ele represena o feudalismo medieval e a democracia liberal modera com igualmente opressores, e argumenta pela crítica e o ataque às instituições para desmascarar a “violência política que sempre se exerceu obscuramente por meio delas.” (4)

Enxergamos em Foucault a mais extrema expressão do relativismo cultural, lido através de estruturas de poder nas quais a humanidade compartilhada e a individualidade são quase inteiramente ausentes. Pessoas são, pelo contrário, construídas pela sua posição na relação com ideias culturais dominantes, seja como oprimidos ou opressores. Judith Butler bebeu das ideias de Foucault, para seu papel fundamental na teoria queer, focando na natureza culturalmente construídado gênero, bem como Edward Said, em seu papel smilar no pós-colonialismo e “Orientalismo”, e Kimberlé Crenshaw, no desenvolvimento da “interseccionalidade” e na defesa das políticas identitárias. Vemos também a equiparação da linguagem com violência e coerção e da razão e do liberalismo universal com opressão.

Foi Jacques Derrida que introduziu o conceito de “desconstrução”, e ele também defendeu o construtivismo cultural e o relativismo cultural e pessoal. Ele focou ainda mais explicitamente na linguagem. O pronunciamento mais conhecido de Derrida “Não há nada além do texto” se relaciona com sua rejeição à ideia de que palavras se referem a alguma coisa diretamente. Na verdade, “existem apenas contextos sem qualquer pólo de fixação absoluta”. (5)

Destanto, o autor de um texto não é a autoridade em se tratando de seu significado. O leitor ou ouvinte faz sua própria, igualmente válida, interpretação e cada texto “engendra infinitos novos contextos em uma absolutamente insaturável forma”. Derrida cunhou o termo “différance”, que derivou do verbo “differer”, que pode significar “postergar/adiar” ou “diferir”. Ele fez isso para indicar que não apenas o significado nunca é final, mas também é construído por diferenças, especialmente por oposições. A palavra “jovem” apenas faz sentido em sua relação com a palavra “velho; Derrida argumentou, seguindo Saussure, que o significado é construído pelo conflito entre essas oposições elementais que, para ele, sempre formam um positivo e um negativo. “Ocidente” é positivo e “oriente”, negativo. Ele insistia que “nós não estamos lidando com a coexistência pacífica de um tête-à-tête, mas, pelo contrário, com uma hierarquia violenta. Um dos dois termos governa o outro (axiologicamente, logicamente, etc), ou o domina. Para desconstruir a oposição, primeiro de tudo, é preciso subverter[1] a hierarquia em algum momento.” (6) A desconstrução, portanto, envolve a inversão dessas hierarquias percebidas, tornar “mulher” e “oriente” positivos e “homem” e “ocidente” negativos. Isso deveria ser feito ironicamente, para revelar a natueza socialmente construída e arbitrária dessas oposições em desproporcional conflito.

Vemos em Derrida mais relativismo, tanto cultural quanto epistêmico, e maiores justificações para políticas identitárias. Há uma negação explícita de que diferenças possam ser algo além de opostas entre si e, assim, uma rejeição dos valores liberais iluministas de superação das difereças e foco nos direitos humanos universais e na liberdade individual e empoderamento. Nós vemos aqui a base da “misandria irônica” e o mantra “racismo reverso não existe”, bem como a ideia de que a identidade dita o que pode ser compreendido. Vemos também uma rejeição da necessidade de clareza no discurso e na argumentação e de entender o ponto de vista do outro, evitando mal-entendidos. A intenção do falante é irrelevante. O que importa é o impacto do discurso. Isso, juntamente com as ideias Foucaultianas, subjaz a crença atual na natureza profundamente prejudicial das “microagressões” e do uso incorreto de terminologia ligada a gênero, raça ou sexualidade.

Lyotard, Foucault e Derrida são apenas três dos “pais fundadores” do pós-modenismo, mas sas ideias dividem temas comuns com outros “teóricos” influentes e foram adotadas por pós-modernistas subsequentes, que as aplicaram a uma gama cada vez mais diversa de discilinas nas ciências sociais e humanidades. Nós vimos que isso inclui uma sensibilidade intensa à linguagem no nivel da palavra, e o sentimento de que o que o falante quer dizer é menos importante do que como é recebido, não impota quão radical seja a interpretação. A humanidade dividida e a individualidade são essencialmente ilusões, e as pessoas são propagadoras ou vítimas de discursos, dependendo de sua posição social; posição essa que depende muito mais da identidade do que no engajamento individual com a sociedade. A moralidade é culturalmente relativa, tal qual a própria realidade. Evidências empíricas são suspeitas, bem como quaisquer ideias culturalmente dominantes, incluindo a ciência, a razão e o liberalismo universal. São os valores Iluministas que se mostram ingênuos, totalizantes e opressores, e há uma necessidade moral de esmagá-los. Muito mais importante é a experiência vivida, narrativas e crenças de grupos “marginalizados”, as quais são igualmente “verdadeiras”, e devem agora ser privilegiadas em detrimento dos valores iluministas para reverter uma opressora, injusta e inteiramente arbitrária construção social de realidade, moralidade e conhecimento.

O desejo de “quebrar” o status quo, que desafia abertamente os valores universais e instituições, e que luta pelos oprimidos, é absolutamente liberal em seu ethos. Se opor a ele é resolutamente conservador. Essa é a realidade histórica, mas nós estamos em um ponto único da história onde o status quo é justa e consistentemente liberal, com um liberalismo que preserva os valores da liberdade, direitos iguais e oportunidades para todos, independente de gênero, raça ou sexualidade. O resultado é uma confusão na qual liberais de longa data que desejam conservar esse tipo de status quo liberal são considerados conservadores, e aqueles desejando evitar o conservadorismo a todo custo encontram-se defendendo o irracionalismo e o não-liberalismo. Enquanto os primeiros pós-modernista, na maioria das vezesm desafiavam discurso com discurso, os ativistas motivados por suas ideis estão de tornando mais autoritários e seuguinto as ideias até sua conclusão lógica. A liberdade de fala está em jogo porque o discurso agora é perigoso. Tão perigoso que pessoas que se consideram liberais podem agora podem justificar respondê-la com violência. A necessidade de argumentar uma situação persuasivamente utilizando argumentos racionais é agora frequentemente substituida a referências à identidade e puro ódio.

A despeito de toda a evidência de que o racismo, sexismo, homofobia, transfobia e xenofobia estão em um mínimo histórico nas sociedades ocidentais, acadêmicos de esquerda e ativistas do politicamente correto mostram um pessimismo fatalista, possibilitado pelas práticas “literárias” interpretativas pós-modernas com viés de confirmação. O poder autoritário dos acadêmicos e ativistas pós-modernos parace invisível a eles próprios, enquanto aparente a todos os demais. Como Andrew Sullivan afirmou sobre a interseccionalidade:
“postula uma ortodoxia clássica pela qual toda a experiência humana é explicada – e pela qual todo discurso deve ser filtrado. … Como o Puritanismo uma vez familiar na Nova Inglaterra, a Interseccionalidade controla a linguagem e até mesmo os termos de discurso”. (7)

O pós-modernismo se tornou uma metanarrativa Lyotardiana, um sistema Foucaultiano de poder discursivo e uma hierarquia Derridariana de poder.

O problema lógico da auto-referencialidade foi apontado aos pós-modernos por filósofos, mas ainda é algo que deve ser tratado de forma mais convincente. Como Christopher Butler afirmou, “a plausibilidade da afirmação de Lyotard sobre o fim das metanarrativas no fim do Século XX depende, em última análise, de um apelo à condição cultural de uma minoria intelectual”. Em outras palavras, o apelo de Lyotard vem diretamente dos discursos ao seu redor, em sua bolha acadêmica burguesa e é, de fato, uma metanarrativa sobre a qual ele não está sequer remotamente questionador. Da mesma forma, o argumento de Foucault de que o conhecimento é historicamente contingente deve, por si só, ser historicamente contingente, e é de se perguntar por que Derrida se deu ao trabalho de explicar a infinita maleabilidade dos textos a tal ponto que poderíamos ler todo o corpo de seu trabalho e declarar, com o mesmo grau de autoridade, que aquilo tudo se trata de uma história sobre coelhinhos.

Esse não é, é claro, o único criticismo comumente presente no pós-modernismo. O problema mais evidente do relativismo cultural e epistêmico tem sido apontado por filósofos e cientistas. O filósofo David Detmer, em Desafiando o Pós-modernismo, diz:
“Considere esse exemplo, apresentado por Erazim Kohak, ‘Quando eu tento, sem sucesso, espremer uma bola de tênis em uma garrafa de vinho, eu não preciso de várias garrafas de vinho e de varias volas de têis antes de, usando os cânones da indução de Mill, chegar indutivamente à hipótese de que bolas de tênis não cabem em garrafas de vinho’… Nós estamos agora em posição de virar a mesa [sobre as reivindicações pós-modernas por relativismo cultural] e perguntar ‘se eu julgar que bolas de tênis não cabem em garrafas de vinho, você pode mostrar precisamente como é que o meu gênero, localização histórica e espacial, classe, etnia, etc., minam a objetividade desse julgamento?” (8)

Contudo, ele não encontrou pós-modernistas empenhados em explicar suas razões e descreve uma desconcertante conversa com a filósofa pós-moderna, Laurie Calhoun,
“Quando eu pude perguntar a ela se era ou não um fato que girafas são mais altas que formigas, ela respondeu que isso não é um fato, mas, na verdade, um objeto de fé religiosa em nossa cultura.”

Os físicos Alan Sokal e Jean Bricmont referem-se ao mesmo problema, na perspectiva da ciência, em Fashionable Nonsense: o abuso da ciência por intelectuais pós-modernos:
“Quem poderia agora sinceramente negar a ‘grande narrativa’ da evolução, afora alguém se agarrando a uma metanarrativa bem menos plausível como o Criacionismo? E quem gostaria de negar a verdade da física básica? A resposta seria, ‘alguns pós-modernistas’.”
E
“Existe algo muito estranho, certamente, na crença de que, ao procurarem, digamos, leis causais ou uma teoria unificadora, ou ao se perguntarem se átomos realmente obedecem às leis da mecânica quântica, as atividades dos cientistas são, de alguma forma, inerentemente ‘burguesas’ ou ‘eurocêntricas’ ou ‘masculinistas’, ou ainda ‘militaristas’.”

Quão ameaçador é o pós-modernismo à ciência? Existem, certamnte, alguns ataques externos. Nos protestos recentes contra uma palestra dada por Charles Murray em Middleburry, os protestantes cantaram, como um só,
“A ciência sempre foi usada para legitimar racismo, sexismo, classismo, transfobia, capacitismo e homofobia, todos velados como racionais e factuais e apoiados pelo governo e o estado. No mundo de hoje, existe muito pouco que é ‘fato’ real.”(9)

Quando os organizadores da Marcha pela Ciência twittaram:
“a colonização, o racismo, a imigração, os direitos dos nativos, o sexismo, o capacitismo, queer, trans, intersexfobia e justiça econômica são assuntos científicos” (10) muitos cientistas imediatamente criticaram essa politização da ciência e essa perda do foco na preservação da ciência para a ideologia interseccional. Na África do Sul, o movimento estudantil progressista #ScienceMustFall [Ciência deve cair] e #DecolonizeScience [descolonizem a ciência] anunciou que a ciência é apenas uma maneira de conhecer que as pessoas foram ensinadas a aceitar. Eles sugeriram a magia como alternativa. (11)

A despeito disso, a ciência como metodologia está pra ficar. Não pode ser “adaptada” para incluir relativsmo epistemologico e “formas alternativas de conhecimento”. Ela pode, contudo, perder a confiança do público e, esse modo, perder subsídio estatal, e isso é uma ameaça que não deve ser subestimada. Além disso, em tempos onde os donos do mundo duvidam das mudanças climáticas, pais acreditam em alegações falsas de que vacinas causam autismo e pessoas se voltam para homeopáticos e naturopáticos para tentar resolver condições médicas graves, é perigoso ao nível de uma ameaça existencial prejudicar ainda mais a confiança das pessoas nas ciências empíricas.

As ciências sociais e humanidades, contudo, estão sob perigo de serem desvirtuadas. Algumas disciplinas dentro das ciências sociais já foram. Antropologia cultural, sociologia, estudos culturais e estudos de gênero, por exemplo, sucumbiram quase inteiramente não apenas ao relativismo moral, mas ao relativismo epistêmico. Literatura Inglesa também, em minha experiência, está ensinando uma ortodoxia profundamente pós-moderna. A filosofia, como vimos, está dividida. Bem como a história.

Historiadores empiricistas são frequenteente criticados pelos pós-modernos entre nós por alegarem saber o que realmente aconteceu no passado. Christopher Butler recoda a acusação de Diane Purkiss de que Keith Thomass estava popiciando um mito que castigava a identidade histórica masculina em “the powerlessness and speechlessness of women” [a opressão e o silenciamento das mulheres], onde ele deu evidências de que mulheres acusadas de bruxaria eram frequentemente pedintes vulneráveis.
Ao que tudo indica, ele deveria ter dito, contra as evidências, que elas eram mulheres ricas ou, melhor ainda, homens. Como disse Butler,
“Parece que, enquanto as afirmações empíricas de Thomas aqui simplesmente acabaram com o princípio organizador rival de Purkiss para a narrativa histórica – que elas deveriam ser usadas para apoiar as noções contemporâneas de empoderamento feminino” (p. 36)

Eu me deparei com o mesmo problema quando tentei escrever sobre raça e gênero na virada do século XVII. Argumentara que a audiência shakesperiana não teria achado a atração de Desdemona a um Othello negro, que era Cristão e soldado de Veneza, tão estranha de entender porque o preconceito contra a cor da pele não se tornara tão predominante até um tempo depois no século XVII, quando a compra e venda de escravos no atlântico ganhou força, e as diferenças religiosas e nacionais eram muito mais profundas antes disso. Um professor eminente me falou que isso era problemático e perguntou como as comunidades negras na América contemporânea se sentiriam em relação à minha afirmação. Se os afro-americanos [2] de hoje se sentissem mal em relação a isso, ele quis dizer, ou o que eu disse não era verdade no século XVII, ou é moralmente errado mencioná-lo. Como Christopher Butler afirmou,
“O pensamento pós-moderno vê a cultura como possuidora de histórias em perpétua competição, cuja efetividade depende não tanto em um apelo a um padrão de julgamento independente quanto ao apelo que exercem sobre as comunidades em que circulam.”

Eu temo pelo futuro das humanidades.

Os perigos do pós-modernismo não estão limitados aos bolsos da sociedade que se voltam para a academia e a Justiça Social, contudo. Ideias relativistas, sensibilidade à linguagem e foco na identidade em detrimento da humanidade ou individualidade ganharam dominância na sociedade em geral. É muito mais fácil dizer o que você sente do que rigorosamente examinar evidências. A liberdade para “interpretar” a realidade de acordo com seus próprios valores se alimenta da própria tendência humana ao viés de confirmação e ao raciocínio tendencioso.

Ficou fácil de notar que a extrema-direita agora está se utilizando das políticas identitárias e do relativismo epistêmico de maneira bastante similar que a esquerda pós-moderna. É claro que elementos da extrema-direita sempre foram divisivos nos terrenos de raça, gêero e sexualidade, e se inclinam a visões irracionais e anti-científicas, mas o pós-modernismo produziu uma cultura mais abertamente receptiva a isso. Kenan Malik descreve essa mudança:
“Quando eu sugeri, anteriormente, que a ideia de ‘fatos alternativos’ faz uso de ‘um conjunto de conceitos que, em décadas recentes, tem sido usado por radicais’, eu não estava sugerindo que Kellyanne Conway, ou Steve Bannon, menos ainda Donnald Trump, estivessem lendo Foucault ou Baudrillard… Eu quis dizer que partes da academia e da esquerda ajudaram, nas últimas décadas, a criar uma cultura em que visões relativisadas de fatos e do conhecimento parecem nada problemáticas, e, dessa forma, ficou mais fácil para a direita reacionária não apenas se reapropriar, mas também promover ideias reacionárias.” (12)

Esse “conjunto de conceitos” ameaça nos levar de volta a um tempo antes do Iluminismo, onde a “razão” era vista não apenas como inferior a fé, mas como pecado. James K. A. Smith, teólogo Reformado e professor de filosofia, foi rápido em perceber as vantagens para o Cristianismo, e enxerga o pós-modernismo como “um vento fresco do Espírito enviado para revitalizar os ossos secos da igreja” (p. 18). Em “Quem tem medo do Pós-modernismo?: levando Derrida, Lyotard e Foucault para a Igreja”, ele diz
“Um engajamento sério com o pós-modernismo nos encorajará a olhar para trás. Nós veremos que muito do que acontece sob o estandarte da filosofia pós-moderna tem um olho em fontes anciãs e medievais, e constitui resgate significante das maneiras pré-modernas de saber, de ser e fazer” (p. 25)
E
“O pós-modernismo pode ser um catalizador para a igreja reclamar sua fé nao como um sistema de verdades ditado por uma razão neutra, mas, pelo contrário, como uma história que requer ‘olhos para ver e ouvidos para ouvir’.” (p. 125)

Nós, da esquerda, devemos ficar bastante temerosos com o que o “nosso lado” produziu. Obviamente, nem todo problema da sociedade hoje em dia é culpa do pensamento pós-moderno, e não é producente afirmar que o seja. O crescimento do populismo e do nacionalismo nos EUA e pela Europa é devido a existência de uma forte extrema-direita e ao medo do Islamismo produzido pela crise dos refugiados. Assumir uma postura rígida “anti-politicamente correto”, culpando esse elemento da esquerda por tudo é, por si só, um completo pensamento tendencioso com viés de confirmação. A Esquerda não é responsável pelo nacionalismo da extrema-direita, ou da direita religiosa ou pelo nacionalismo secular, mas é responsável por não se dedicar a questões importantes de maneira razoáveis e, desse modo, ter tornado a si mesma mais difícil de ser apoiada por pessoas razoáveis. A esquerda é responsável por sua própria fragmentação, demandas de pureza e divisões que fazem até mesmo a extrema-direita parecer relativamente coerente e coesa.

Para ganhar credibilidade, a Esquerda precisa recuperar um liberalismo forte, coerente e razoável. Para tanto, pecisamos nos afastar da esquerda pós-moderna. Precisamos combater suas oposições, divisões e hierarquias com princípios universais de liberdade, igualdade e justiça. Devem existir princípios liberais consistentes em oposição a todas as tentativas de classificar as pessoas por raça, gênero ou sexualidade. Nós devemos lidar com questões de imigração, globlismo e políticas identitárias autoritárias, que atualmente estão empoderando a extrema-direita, não chamando pessoas que expressam suas opiniões de “racistas”, “sexistas” ou “homofóbicas” e acusando-as de querer cometer violência verbal. Nós podemos fazer isso ao mesmo tempo que continuamos nos opondo a frações autoritárias da direita que realmente são racistas, sexistas e homofóbicas, mas vêm podendo se esconder por trás de uma fachada de oposição razoável à esquerda pós-moderna.

Nosa crise atual não se trata de Esquerda versus Direita, mas de consistência, razão, humildade e libralismo universal contra inconsistência, irracionalismo, certeza arrogante e autoritarismo tribal. O futuro da liberdade, equidade e justiça parece igualmente sombrio seja a esquerda pós-moderna, seja a direita pós-verdade a vencer a guerra em curso. Aqueles de nós que valorizam a democraca liberal e os frutos do Iluminismo e da Revolução Científica e a modernidade, per se, devem buscar uma opção mais viável.

 

N.T.:
[1] No quote, do qual eu traduzi o termo, o original está “overturn”. Esse termo pode significar, no contexto, tanto SUBVERTER, ou inverter, quanto DERRUBAR, revogar. Como não li esse texto do Derrida, não sei a qual sentido do termo ele estava se referindo. Portanto, optei por traduzir seguindo a lógica de interpretação do autor deste artigo, que seria a de inversão.
[2] O autor usou o termo “African Americans”.

“COMO OS ‘INTELECTUAIS’ FRANCESES ARRUINARAM O OCIDENTE: PÓS-MODERNISMO E SEU IMPACTO, EXPLICADOS”, DE HELEN PLUCKROSE