“O mito da ‘Maria Purpurina’ e os segredos sujos da subcultura gay masculina”, de Rohln Guha

O original está aqui.

<< Nos meus vinte e poucos anos, aprendi que levar suas amigas a um bar gay é como levar um vegetariano a um açougue. Tem um monte de carne, um monte de cortes nobres, e mesmo alguma tripa, mas nada que elas possam comer. Mesmo não havendo qualquer aviso de “PROIBIDO PARA MULHERES”, a desnecessariamente longa espera pela qual elas têm que passar para comprar drinks -aguados, pra piorar – e a quantidade de olhares tortos que elas recebem dos bartenders são o suficiente para comunicar a mesma mensagem em geral. Em pouco tempo, fiquei saturado dos bares gays em geral. Minhas amizades eram, em maioria, de mulheres, e se elas não estavam sendo tratadas de forma respeitosa – e não estavam recebendo coquetéis decentes, então pra que insistir no erro?
É um segredo sujo do submundo dos homens gays a respeito das mulheres: que elas não são realmente bem-vindas, a menos que elas surjam feito uma Real Housewife [1], uma diva pop, ou uma vencedora do Tony award [2] – ou, ainda, uma “maria purpurina” assumida. Para alguém saindo do armário e esperando encontrar seu rumo na comunidade gay masculina, a atitude em relação a mulheres é simples: são apenas objetos cuja função é servir homens gays. Talvez aconteça quando homens gays se encontram muito confortáveis em seus recém-descobertos ”espaços seguros” [safespaces], onde eles dão as cartas enquanto orgulhosamente expõem seu novos eus. Ou talvez aconteça por meio do condicionamento cultural. Seja qual for a causa, torna-se claro: se não há qualquer tipo de interesse envolvido, mulheres perdem seu valor nas subculturas homossexuais masculinas.
Quando falamos sobre o privilégio de homens gays, é importante que, como homens gays, compreendamos que qualquer um de nós poderia ser – ou é – perpetuador dessa cultura. Em meus primeiros dias “fora do armários” – e entre mulheres – eu definitivamente fui esse babaca que fingia ignorância a respeito da anatomia das mulheres, que respondia com ironia quando surgia uma discussão acerca do corpo feminino; eu fui esse jovem homossexual que tinha sua coleção de divas que vestiam melhor que o resto – e as jogava contra outros homens gays. Quando esse é o seu mundo, você comete deslizes, você leva a identidade aos seus limites mais extremos – e quando isso para de fazer sentido, você acorda.
***
Eu tinha um melhor amigo de cerca de 20 anos que pegou o hábito de chamar suas amigas mais próximas de p- frequentemente. Ele costumava gritar com elas e insultar seus corpos. Quanto questionado sobre esse desrespeito, ele contornava dizendo que era humor. “Meu deus, você não aguenta uma piada?” era uma de suas desculpas favoritas. Eu disse “eu aguentava”, porque às vezes você precisa traçar uma linha entre quem você mantém em sua vida e quem você deixa de fora. Eu não aguentava mais estar cercado por esse tipo de linguagem. Porque como homens gays, nós temos que encontrar maneiras de exercer empatia com nossas amigas, não usá-las como adereços pra aumentar a nossa auto-estima. Acontece que mesmo homens gays objetificam mulheres – mas fingem que não, com a desculpa da sua orientação sexual. Rapazes, não. “Mas eu sou gay!” não pode ser sua desculpa para nada, não em um mundo onde indústrias inteiras fazem estudos acerca da nossa população.
Com o passar dos anos, eu fui honrado com a amizade de feministas fortes e maravilhosas, que me mantinham consciente a respeito do fato de que todo dia elas passavam por alguma atitude de sexismo ou misoginia. Como homem forte e negro, raramente tenho que me preocupar em ser seguido ou sexualmente abusado na rua; isso acontecia e continua acontecendo frequentemente com mulheres em áreas como Nova York. Eu acho que, como homens gays, nos tornamos tão preocupados com essa ideia de ter que esconder nossas vidas pessoais de colegas, familiares e etc, que esquecemos que ainda gozamos de um bocado de privilégio masculino que nossas amigas não têm.
Em algum ponto da vida, eu também percebi que homens gays se permitiam entrar em uma cômoda e inescusável rotina de objetificação, humilhação e desprezo de mulheres.
Muitos de nós estamos acostumados com a ideia de o privilégio masculino estar relacionado a homens heterossexuais, de forma que ignoramos o fato de que homens gays também podem exercer dominância e controle sobre mulheres. Nós podemos esquecer isso porque muito da história americana mostra os homens gays como vítimas – e como homens gays, muitos alegremente compram essa narrativa mesmo se essa não é a sua história pessoal, porque isso propocia uma forma fácil de se introduzir na cultura gay masculina como um todo. Apenas na última decada a identidade homossexual masculina foi aceita nos discursos casuais – e normalizada em nossa dieta cultural. Antes de mergulharmos mais profundamente nisso, é cauteloso delinear que, para as propostas deste artigo, “homens gays” é um coletivo subjetivo e impreciso para tais homens. Não é um grupo estático – é um aglomerado do qual eu mesmo já fiz parte por um tempo.
As subculturas americanas para as quais a cultura gay é indesejável hoje são exceção, não regra. Com essa mudança, entretanto, homens gays estão perdendo o diferencial que até agora nos marginalizava em relação aos homens héteros. Nós estamos começando a aproveitar privilégios fundamentais que as mulheres não possuem ainda.

AS VANTAGENS DE SER HOMEM

Visto que sabemos como colocar as cartas no mundo corporativo, nós podemos potencialmente gozar de um maior salário que nossas equivalentes mulheres, pois nossa cultura ainda paga homens e mulheres de forma desigual. Da mesma forma, enquanto soubermos como usar nosso cinismo, não estamos tão propensos a sofrer assédio sexual quanto as mulheres. Não é perfeito, mas privilégio é privilégio.
Verão passado eu estava saindo com um cara cujo amigo ficara fazendo várias piadas sobre estupro. Ele estava orgulhoso do que acreditava ser uma inteligência notável, tão apurada que aparentemente causaria inveja no P.G. Woderhouse [3]. Esse tipo de discurso era o que mostrava quão pouco ele interagia com pessoas do sexo oposto, que ele não dá a mínima para o que uma ameaça real de violência sexual representa para as mulheres. Pior ainda foi a indiferença do dito possível namorado diante de um dos seus amigos de longa data jorrando essas piadas – ele realmente ficou dando corda. Era como estar preso na Terra do Nunca com um casal de garotos perdidos – é também o tipo de situação no meio masculino gay que faz você perceber como as pessoas se utilizam de seus privilégios.
Fragmento do the Daily Kos :
“Homens gays desejam as mesmas vantagens da masculinidade que heterossexuais possuem, mas homens gays simplesmente não ocupam o mesmo status e espaço social que homens héteros. Eu sempre me encolho quando vejo um escrito sobre poder masculino e privilégio porque, como homem gay, simplesmente não sou privilegiado dessa forma. Não importa se eu sou machão como o Clint Eastwood falando sobre Halftime in America ou se sou tão viadinho quanto Chis Colfer no papel de Kurt Hummel do Glee, eu simplesmente não posso ser colocado no mesmo saco que homens heterossexuais. Mesmo se nós aprovássemos todas as leis pelos direitos dos gays imagináveis nesse instante, demoraria décadas, se viesse a acontecer, para que eu tivesse acesso às vantagens culturais da masculinidade. De certa forma, essa agenda está precisando de um adjetivo quando eruditos e intelectuais tratam do poder masculino e privilégio: certifiquem-se de deixar claro que estão falando de homens heterossexuais.”
Isso foi escrito no início de 2012. Agora, quase dois anos depois, o mundo tornou-se um lugar dramaticamente diferente – não completamente diferente, perceba, mas diferente o suficiente para que muitos homens gays comecem a gozar de muitas “vantagens da masculinidade” que homens héteros possuem.
Há limites e ressalvas. Como homens gays, nós ainda temos que ficar calculando; se vivermos nas cidades certas, procurarmos empregos nos lugares certos, teremos acesso às mesmas vantagens da masculinidade que nossos pares têm. Se vivermos nas cidades erradas, seremos ostracizados e forçados a voltar pro armário. Com certeza nós não podemos segurar a mão de nossos namorados em público por medo de ouvir piadinhas ou sofrer assédio na rua; não podemos nos casar em mais da metade dos EUA. Nós podemos não gozar de tantos privilégios quanto os heterossexuais possuem, mas como outro escritor do Daily Kos pontuou, nós ainda estamos menos propensos a sofrer preconceito por estar acima do peso em entrevistas de emprego, não temos que lidar com maquiagem ou fazer o cabelo, e não estamos sob a possibilidade de ter nossa opinião chamada de “loucura feminina”. Há um mundo de preconceitos com os quais não precisamos lidar que as mulheres precisam.
Talvez essa simples constatação seja o porque de muitos homens gays fazerem cena – e muitas vezes contra mulheres, porque eles não podem se safar disso. A cultura decretou que a misoginia dos gays contra as mulheres é charme, parte do pacote de características que “os gays simplesmente são”. Para os sem criatividade entre nós, a misoginia pode ser uma forma desesperada de reafirmar as fugidias vantagens da masculinidade.
***
Alguns anos atrás, eu estava em uma festa de aniversário no Harlem [4]. O vinho estava liberado, talvez até demais. Eu combinei com uma amiga próxima que se aquela festa estivesse ruim, nós poderíamos sair pela tangente a qualquer minuto e pegar um táxi para algum lugar melhor. Além de poucas mulheres, a lista de convidados era de maioria homens gays.
Eu estava no meio de uma conversa com a minha amiga e uns outros amigos convidados da festa. Nós estávamos reunidos em volta da tigela de ponche na cozinha. A organização do Flat era tal que você tinha que passar pela cozinha para ir ao banheiro – e o corredor era estreito. Quando um dos convidados pediu licença para passar por trás dela em direção ao banheiro, nossa conversa abruptamente parou ao percebermos uma feição de choque emergir em sua face. Ela disse que o convidado tinha batido na sua bunda.
Quando ele voltou, eu não falei nada do ocorrido – esperando que ele retificasse a situação, ou pelo menos fizesse algum comentário adicionando um contexto que explicasse esse comportamento. O tempo passou. Quando minha amiga saiu para checar suas mensagens de voz, eu falei para ele se desculpar com ela quando ela voltasse. Ele concordou, mas depois de alguns protestos. Ela voltou, ele se desculpou, e nós continuamos nos divertindo. Até que abruptamente paramos.
Aparentemente, ele estivera cozinhando em silêncio. Dez minutos depois, ele estava a puro vapor, anunciando que não pensava estar errado sobre tocar a minha amiga inapropriadamente sem seu consentimento – mas que eu estava errado em exigir desculpas dele. Eu estava errado – e minha amiga estava errada – porque ele era gay; porque ele nos disse que o que ele fez não foi um desrespeito ao espaço pessoal, mas um “tapinha amoroso”.
Além de re-proclamar sua orientação sexual, ele adicionou: “eu trabalho no teatro. Isso é só como nós agimos uns com os outros.” Um monte de “e-se”s passaram pela minha mente. E se ele fosse heterossexual? A festa inteira teria se virado para ele exigido que ele se desculpasse, ou até fosse embora. E se ele decidisse pegar na bunda da Idina Menzel ou da Patti Lupone em um evento comercial; ele usaria os mesmos argumentos? Ou ele partiria para um sincero ato de humildade? As pessoas iriam deixar pra lá, ou iriam brigar com ele? Suas desculpas evocam os mesmos argumentos que meu ex-melhor amigo cosumava usar. Aparentemente, minha amiga precisava relaxar e achar graça de ter seu corpo inapropriadamente tocado. Bem assim: culpabilizando a vítima.
Eu pedi licença para ir ao banheiro e quando voltei percebi que minha amiga e aquele cara não estavam mais lá. Meu estômago deu um nó. Outro convidado me disse que eles tinham ido até a sacada, conversar. Depois eu soube que minha amiga queria usar oportunidade para tomar um ar e conversar cara-a-cara para calmamente convencê-lo de que o que ele fez não foi algo legal. Seus esforços foram inúteis; ela mal podia dizer uma palavra antes dele atropelá-la, falando mais alto e mais alto para tentar provar que estava certo, até que ela decidiu que simplesmente não valia a pena insistir.
Ironicamente, ele esteve tentando persuadi-la de que eu estivera implicando com ele antes – mesmo sem saber o que ele estava fazendo com ela naquele momento.
Existe um monte de privilégio associado a assumidamente invadir os limites pessoais de alguém dessa forma. Mas a culpabilização da vítima que se seguiu foi muito mais perversa. No fim das contas, o convidado encontrou uma forma de tornar o ambiente da festa hostil. Quando sua tentativa desesperada de fazê-lo ver seu erro falhou, nós dois deixamos pra lá e decidimos ir para casa, sentindo os olhares dos convidados nos queimarem.
O dono da festa, que estava dormindo durante toda essa provação, me mandou uma mensagem de texto no dia seguinte me criticando por ter feito uma cena, sem me perguntar a história toda. E então parou de falar comigo.

PADRÕES CULTURAIS COMO MODELOS DE AÇÃO

Eu não estou muito preocupado em descobrir quando esse tipo de objetificação tornou-se regra. Eu me assumi em 2004, quando as redes de TV finalmente descobriram que podiam ganhar dinheiro favorecendo alguma versão da aparição de pessoas gays. Era o auge de Will & Grace, America’s Next Top Model, Queer Eye for the Staight Guy e Sex & the City. Os Scissor Sisters estavam fazendo sucesso com seu epônimo álbum de estréia. Rufus Wainwright conseguira se tornar um pilar rock-pop. Culturalmente, os EUA estavam entrando em uma era divisora de águas para a aceitação da identidade gay masculina.
Entretanto, como homens gays e símbolos da cultura gay masculina estavam se tornando comuns no discurso da cultura popular em geral, uma persona gay masculina estava se tornando idealizada: o Affluencer [Influenciador Afluente]. Essa persona é definida pela atenção a detalhes, ter gosto por itens de luxo, sensibilidades indumentárias, promiscuidade casual, predileção por musica pop e por sua malícia. A cultura popular estava ensinando a seus consumidores que ser gay significava ser como Will ou Jack do Will & Grace. A cultura popular estava ensinando gays recém-assumidos que eles poderiam ser bem-vindos no espaço heteronormativo se eles fizessem o papel desses moldes pre-aprovados da identidade gay masculina. Como era de se esperar, essa persona – controlada pela mídia mainstream – permitiu a homens gays uma margem liberal da misoginia, possibilitando a eles que descrevessem esse comportamento como parte de sua identidade.
Homens gays poderiam dizer coisas do tipo “Eu acho vaginas tão estranhas” ou, mais redutivamente, “EEca!”, na menção da anatomia feminina, porque essas respostas eram vistas como hilárias, pois as implicações negativas desse humor não eram jamais analisas.
Isso é muito triste, porque muitos de nós não têm o luxo de exemplos em nosso desenvolvimento. A cultura popular atua como um substituto. Quando vemos um molde da identidade masculina gay ser universalmente reconhecida como aceita, nós queremos experimentá-la. Queremos fazê-la funcionar. Depois de nos dizerem em nossos anos de desenvolvimento que não há lugar na sociedade tradicional para nós, ver representações da identidade masculina gay em tal sociedade significa que podemos finalmente amadurecer. Podemos desfrutar de alguma igualdade. Podemos “ser nós mesmos”*. Digo, se “nós mesmos” couber nos limites da perspectiva da identidade masculina gay que está sendo mercantilizada, embalada e replicada por homens gays que trabalham no reino da mídia de massa.
Esses substitutos, então, são preocupantes.
Por exemplo, em 2010, o juiz do Project Runaway e designer de moda, Usaac Mizrahi, apertou os seios da Scarlet Johansson no tapete vermelho do Golden Globes. Quando ela olhou para ele, visivelmente horrorizada, ele retorquiu que ele era gay, então tudo bem. Não tão bem, de acordo com ela. [5] Mas quando ele age tão invasivamente com pouca ou nenhuma consciência, isso manda uma mensagem para homens gays que ainda estão construindo suas identidades e tentando descobrir como caber em um mundo que ainda não encontrou uma maneira de reconciliar identidades não-heterossexuais completamente.
Sobre o The Good Men Project, Yoko Akili escreve:
“Em uma palestra recente, pedi a todos os estudantes homens gays presentes que levantassem as mãos se na semana anterior eles houvessem tocado o corpo de uma mulher sem seu consentimento. Depois de um momento de hesitação, todas as mãos dos homens gays da sala estavam levantadas. Então eu pedi aos mesmos homens gays que levantassem suas mãos se na semana anterior tivessem oferecido a uma mulher um conselho não requisitado sobre como “aperfeiçoar” seus corpos ou seus estilos. Mais uma vez, depois de um momento de hesitação, todas as mãos da sala estavam levantadas.”
Então você tem jovens homens gays testemunhando o comportamento de Mizrahi; “eu sou gay” torna-se uma desculpa aceitável para que homens gays bisbilhotem e desrespeitem corpos de mulheres. É endêmico de uma cultura gay masculina que logo utilizem o fato de terem sido vitimizados como uma desculpa para agir como babacas ao invés de evitar esse comportamento, ou melhor, corrigir tal comportamento.
Mizrahi é um exemplo. Em Will & Grace, você pode criar todo um Jogo de Bebida baseado no número de vezes que Jack se torce diante da menção da sexualidade feminina ou diz algo sobre o corpo da Grace; é feito pra ser engraçadinho, mas acaba soando como um disco misógino arranhado. Existem memes – como o Sassy gay Friend – cujo humor reforça a ideia de que está tudo bem para homens gays chamar mulheres de “vadias” se isso serve a um contexto cômico.
Ambos os exemplos também demonstram o problema relacionado ao construto de “maria purpurina”. Essa ideia de que há uma proporção de 1:1 entre homens gays recém assumidos e suas melhores amigas mulheres é uma objetificação de marca maior; não serve a ninguém. Pinta uma imagem de que a sexualidade gay masculina necessita do papel de uma mulher – mas, além disso, pinta a imagem de mulheres servindo homens, mantendo-os de pé. Mulheres acabam usando homens gays como substitutos para namoradas; homens gays acabam usando mulheres como terapeutas e sacos de pancada, que têm a função de fazê-los se sentirem melhor sobre si mesmos, ao mesmo tempo precisam lidar com a eventual enxurrada de xingamentos como “vadia”, “puta” e “vagabunda”. Quando homens gays e mulheres podem superar a natureza generificada de seu relacionamento, essas tendências destrutivas se derretem, mas é mais provável que essas relações implodam.
No The Outs [6], do Adam Goldman, vemos essa proporção 1:1 falhar espetacularmente, uma das tramas mais fascinantes e verossímeis da série. Mitchell e Oona são apresentados ao público como melhores amigos, mas com o desenrolar dos sete episódios da série, eles se tornam mais e mais estranhos. Mitchell espera que Oona aja como um ombro amigo para seus relacionamentos falhos, enquanto Oona espera que Mitchell aja como seu acompanhante quando ela participará de uma festa do seu ex. Ela até pede que ele tire seu cardigã e “fique mais viril”. Tão longe quanto as amigas de homens gays possam ir, Oona vai, maravilhosamente impetuosa – e é por isso que nós podemos enxergar essa relação baseada na objetificação, colapso.
Surpreendentemente para alguns, também há mulheres que não são impetuosas ou expansivas como Oona. De fato, a ideia de que mulheres amigas de homens gays sejam cruéis, escandalosas e desequilibradas é, por si só, um péssimo estereótipo que vem sendo perpetuado também por homens gays. Como homens gays, muitos de nós interpretam o silêncio das amigas que temos insultado como consentimento. Isso nos permite considerar que é apropriado para nós tratar todo o gênero de acordo. Em algum momento, alguma amiga mulher pode dizer “isso não é legal”, ou te estapear – mas você sabia que isso aconteceria. É tudo o que precisa, e muitos de nós crescem fora dessa maneira de pensar. Mas outros não.
É assim que você acaba com inúmeros homens gays cujas vidas sociais consistem quase exclusivamente em sair com outros homens gays. Como você pode aprender a ser humano se você só se relaciona com outros clones de si mesmo?

APARÊNCIA DE BONECA BARBIE

Talvez a forma como homens gays agem em relação às mulheres possa ser sumarizada por como eles enxergam mulheres como figuras – graças, em parte, ao culto de divas inerente à identidade gay masculina. É um tipo específico de pensamento que permite a homens gays desumanizar mulheres – enxergando-as como objetos abstratos. Talvez seja também o porquê de um blogueiro como Perez Hilton poder facilmente construir toda uma marca desprezando os corpos de mulheres apresentadoras e artistas.
De fato, em 2009, a Anna North do Jezebel compilou uma lista parcial da descrição de celebridades mulheres feitas pelo Hilton. Seria fácil relevar os comentários dele como o surto de um troll solitário de internet se não existissem incontáveis homens gays que já estão seguindo seu exemplo. De alguma forma, ser gay tornou-se uma forma subtendida de muitos homens acharem que sempre estão certos quando falam dos corpos das mulheres, quando, brincando, usam “vadia”, “puta”, “vagabunda” como sinônimo para “moça” ou “mulher” – e a rapidez com a qual eles se tornam defensivos quando chamada a sua atenção para esse tipo de inconveniência.
Uma vantagem da masculinidade gay em particular é que muitos de nós somos cúmplices na forma como a imagem da mulher é revestida, mercantilizada e distribuida pela mídia. Somos cúmplices na total objetificação das artistas mulheres em shows por torná-las deusas ou julgá-las como fracasso. O culto a divas é uma das ultimas formas de objetificação. Lady Gaga, Christina Aguilera, Selena Gomez, Beyoncé: são todas performers cujos agentes e marketeiros cultivam suas marcas com a finalidade de fazê-las sedutoras para a estética gay masculina. É irônico porque essas estrelas são vendidas como semideusas, mas, ao fazê-las parecer sobrehumanas, elas também são vendidas a nós como produtos, como algo cuja humanidade foi extirpada. Divas são objetos; mulheres não são. Divas não são nada mais que bonecas Barbie glorificadas. Mulheres não.
O culto à diva tornou-se traiçoeiro – uma forma de reforçar um mito de aspiração no qual muitos homens gays apontam ao sexo oposto que, a despeito do fato de merecerem esse status absurdamente elevado, não passam de marias purpurinas descartáveis:
Pense na linguagem:
“A Britney arrasa!”
“A Gaga e melhor que as suas favoritas!”
“Ela está tão gorda nesse vestido””
“Ela é TÃO horrorosa!”
“Que vagabunda.”
Como homens gays se referem a artistas mulheres contribui para a objetificação – seja intencionalmente ou não. Às vezes dizemos que um artista “arrasa” como uma forma superlativa de dizer que ela está fazendo algo incrível. Isso não é problema. Devemos sempre ser positivos em relação às artistas; o problema ocorre quando o pendulo balança para o extremo oposto; quando dizemos que ela é “um lixo”, como uma forma superlativa de falar que ela está fazendo algo ruim. É sempre exagerado. Não há meio termo para ela, ou apenas ser. Pelo contrário, quando discutindo pop-stars homens, como Justin Timberlake ou Drake, por exemplo, esse tipo de linguagem é rara ou inutilizada. Uma grande parte disso se deve ao fato de que pop stars homens não preenchem a figura do culto à vida como as artistas mulheres preenchem.
Somos treinados para idolizar nossas divas pop como se elas fossem apenas Barbies de carne e osso. Para completar nossos deveres de fãs, nós derrubamos outras divas. Essas artistas deixam de ser mulheres para nós, graças à linguagem que usamos – elas também se tornam deusas ou lixo. É aí que a linguagem maldosa se torna eminente. Isso tudo fica mais problemático quando essa linguagem é aplicada em grande escala para todas as mulheres, dando a homens gays carta branca para enxergar mulheres como objetos.

IMITAÇÕES DE FEMINILIDADE

A cultura gay masculina reivindica a feminilidade quando ela surge na forma de algum aprumado produto de entretenimento – quando nos pedem para não pensar realmente na mulher, mas sim no produto pré-pronto e embalado diante de nós.
Nós até definimos o que constitui a feminilidade, incluindo maquiagens extravagantes, modas excêntricas, tejeitos teatrais e por aí vai. Nós descobrimos como tecer esses ornamentos de feminilidade em cópias espetaculares da feminilidade sem na verdade ter empatia com as mulheres. É por isso que Ruan Murphy se destaca ao criar as personagens glamurosas e moralmente repreensíveis de Jessica Lange em American Horror Story. Nós amamos Lange no papel de Constance Langdon, Irmã Mary Jude e Fiona Goode, mas nunca estamos convencidos de que ela seja mais do que uma cativante e alegórica anti-heroína.
A cultura popular até mesmo aceita que homens gays saibam o suficiente sobre os corpos das mulheres para criar-lhes roupas. Uma coisa problemática que Karl Lagerfeld [7] disse certa vez: “a mulher é a boneca mais perfeita que eu já vesti com prazer e admiração.”
Então, né.
Para esse efeito, é universalmente aceito que homens gays possam aconselhar mulheres em como fazer seus cabelos ou maquiagem, ou fazer uma passarela adequada. É irônico quando você percebe que muitos homens gays passam pouco tempo interagindo realmente com mulheres ou enxergando-as como seres humanos. Mais uma vez, nós olhamos para o comentário do Lagerfeld a respeito de mulheres “bonecas”. Ou, mais adiante, como quão pouca experiência de mundo real os homens gays têm com os corpos das mulheres. Afinal, nós somos definidos pelo nosso desejo de transar com outros homens, não com mulheres.
Além de ditar como as mulheres devem se vestir, muitos homens, eles mesmos, evitam trejeitos femininos. A cultura gay – da maneira que tem sido pintada e replicada – não quer personificar ou emprestar muito da feminilidade. Com certeza temos gays aparentemente afeminados, porta-vozes da cultura do entretenimento – mas como consequência de sua afetação, eles são retratados praticamente como eunucos. A preferência na cultura mainstream ainda tende para o Brokeback Mountainesco [8] retrato de homens gays. Saia com grupos de praticamente todos os homens gays e você descobrirá que existe uma alarmante, se progressiva, raridade: os “masc-acting str8” [machões metidos a héteros] que chegaram ao topo – e fazem as regras do jogo. Muitos atraem os homens mais femininos para congregar consigo. Muitos perseguem os demais tipos “masc-acting str8”. Outros, possivelmente, caem fora.
“Nada de afeminados” é um refrão popular no mundo dos homens gays que relacionam-se uns com os outros; é uma estipulação que frequentemente aparece em paralelo com os “masc-acting str8”. Essa discriminatória tendência de gostos existente no mundo da paquera gay é cômica. É triste, contudo, que a máxima “nada de afeminados” dispense massas de potenciais amigos e parceiros só por causa dos seus trejeitos, estilos ou gostos culturais que se aproximam da feminilidade – sem considerar que, hey! talvez esses caras sejam legais. É essencial, para o ímpeto dominante, que homens gays exerçam misoginia.
Essencialmente, “nada de afeminados” é um completo repúdio da feminilidade, de qualidades que fomos levados a acreditar que são mais representativas das mulheres que dos homens. Bem como muitas coisas no mundo dos homens gays,”nada de afeminados” é um tipo de linguagem em código que trai uma linha de pensamento muito mais fundamental na subjetivação gay masculina. O escritor e ator Billy Porter acerta em cheio:
“As pessoas gays extravagantes recebem mais atenção, mas nós passamos por todo tipo de coisa… Eu acho que é um problema de auto-ódio trazido pela sociedade. Você quer assimilar. A única coisa que nós queremos como seres humanos é ser aceitos.”
Isso quer dizer que uma grande quantidade de homens gays creem que ser feminino é antiético para o auto-empoderamento e a auto-atualização; que eles não se entenderam totalmente com a sua sexualidade e vêem feminilidade como algo que pode minar sua masculinidade.
O que acontece é que não apenas a perpetuação proposital de atitudes misóginas, mas também a diluição e progressiva segmentação da comunidade gay, onde homens gays inseguros estão inclinados a um arquétipo masculino idealizado – e evitam arquétipos com traços de feminilidade até que acabam criando mundos sociais onde todo mundo aparenta, se veste e age como eles – onde mulheres cada vez mais ocupam a periferia.
Será essa a disseminação de um retrocesso social?
Muitas de nossas formas tradicionais de congregação social excluíram mulheres – como o açougue mostrado no início desse artigo. [Veja o artigo original para ter acesso às imagens]
Coloque comida num bar gay e você vai descobrir todo um mercado artificial de carnes – microcosmos amplamente desprovidos de mulheres. Estar invisível dentro de qualquer bar gay de cidade grande é um experimento fenomenal; é um ponto de vista privilegiado para observar as políticas de como os homens se comportam e estudam uns aos outros em um contexto artificial onde mulheres não existem.
Quando você tem essa livre socialização de homens gays em um universo onde mulheres só existem como grandes ícones pops em chamativos videoclipes nas enormes telas de TV penduradas sobre o bar, você tem uma cultura que se tornou complacente com o afastamento social de uma porção considerável da humanidade. Nesses guetos, mulheres são abstrações, símbolos, mas jamais encorajadas a serem seres reais tridimensionais.
A vibe clube do bolinha da maioria dos bares gays é inquietante. Você vê inúmeros jovens gays que aprendem uns com os outros, mas muitos dos quais praticamente não convivem com mulheres. Eles esquecem como se comportar e interagir com o sexo oposto. Se o tópico é como homens héteros objetificam mulheres hipersexualizando-as, para homens gays o problema é dessexualizá-las inteiramente.
Kate Conway escreveu para a XO Jane [9] um artigo intitulado: “Serão todos os homens gays secretamente misóginos?” [tradução livre]
“Eu tinha vários amigos na faculdade que poderiam exemplificar o que eu estou dizendo. Quando eu perguntei a um deles recentemente, ele afirmou que ele se sentia mais confortável dessa forma naquela época de sua vida. Ele tinha acabado de sair do armário, estava fazendo novos amigos na comunidade gay e em geral – era mais fácil, disse ele, apelar para uma narrativa conhecida até que se sentisse mais confortável com a situação.
O que faz sentido, particularmente em termos de caras universitários. Se um jovem gay percebe que um comportamento o permite encaixar-se a seus pares, não é surpreendente que ele queira reproduzí-lo.”
Todos nós queremos nos encaixar, especialmente se passamos nossas adolescências sem objetivo e só encontramos nosso rumo nos vinte e poucos anos. O que se torna alarmante é que para muitos dos jovens implicar com outros adolescentes gays na escola é a única maneira de ser incluído; então o fato de crianças que cresceram sofrendo bullying praticamente replicarem esse mesmo comportamento, mas em relação a outro grupo historicamente marginalizado, demonstra uma tendência amnésica da comunidade gay – uma em que nós não nos consideramos responsáveis, apenas esperamos que as vítimas aguentem tudo caladas.
Quando eu fiquei cansado da cultura de gado dos bares gays, tentei uma alternativa: simplesmente sair com meus amigos – quem quer que fossem – para bares “agnósticos” em sexualidade. Quando nós coletivamente cansamos dos bares em geral, trouxemos a festa para um dos nossos apartamentos – e foi aí que começamos a ter discussões incisivas e extensas sobre humanidade, gênero, sobre a improvável objetificação entre homens héteros e homens gays (“isso é uma via de mão dupla, contudo”, pontuou um dos meus amigos). Ao longo dos meus 20s, eu tentei não ser um babaca – mas percebi que nesses capítulos da era particular da minha vida em que passei a maior parte do tempo nos cantos escuros de bares gays com amigos de farra, eu comecei a me tornar uma pessoa socialmente inculta. É impossível frequentar espaços que promovem os interesses de um gênero sobre os de outro sem acabar com valores morais distorcidos.

“QUEER” VS “GAY”

Uma ameaça frequente aqui é a misoginia comum. Quando homens gays convivem com mulheres, mulheres frequentemente sofrem a pressão de guardar suas preocupações sobre a forma com a qual seus corpos estão sendo falados e tratados por homens gays. O fato de homens gays poderem chamar uma invasão do espaço pessoal de “tapinha amoroso” ou que homens como Mizrahi enxergem os seios da Scarlett Johansson como piadinha ou que homens admoestem outros homens em avenidas gays por serem “muito afeminados” são só formas pelas quais a misoginia é sorrateiramente executada e perpetuada por homens gays.
Muitos de nós crescemos; passamos a entender quão horrendo é esse comportamento. Começamos a colocar limites – é infantil desculpar comportamento misógino com o fato de ser gay. Enquanto muitos de nossos pares afundam ainda mais na bolha – envelhecendo numa vida norturna quase exclusivamente masculina, em meio ao culto a divas e à antiquada noção de marias purpurinas – ao invés de procurar por algo mais. Isso acaba afetando a forma como eles se conectam à cultura, numa perspectiva mais ampla.
Eu estive num encontro, recentemente, em que, mexendo distraidamente o meu martini, percebi como eu tive que “cair fora” do mundo gay mainstream alguns anos antes. Aquilo tudo era demais pra mim. Eu via exs em todos os lugares. A pressão de trabalhar muito, ficar acordado até tarde e beber até cair, até meu fígado pedir arrego, se tornara tediosa. O fato de que eu jamais podia ter uma conversa com qualquer um porque (1) a música era tão alta que não podíamos ouvir nossas próprias vozes e (2) ninguém era capaz de manter uma conversa que justificasse quanto tempo e dinheiro eu estava gastando nesses lugares.
O cara com quem eu estava saindo olhou pra mim e assentiu; era por isso, disse ele, que ele não se indentificava mais com a palavra “gay”, alinhava-se mais ao rótulo “queer”. Não foi a primeira vez que eu ouvi isso; eu tenho alguns amigos que nos últimos anos deixaram a palavra “gay” de lado em favor do termo “queer”. “Queer”, um termo guarda-chuva para quem ama os seres humanos em uma grande variedade de formas.
“Queer” é uma palavra carregada. Que faz as pessoas arrepiarem, devido a seu uso mais recente como insulto homofóbico. É uma palavra talvez mais inclusiva que LGBT – porque encapsula e inclui uma variedade de expressões de gênero. A palavra “gay” tornou-se restritiva; “gay” é modern family [11], casamento igualitário e homens fortes e estilosos com rios de dinheiro e casas lindas. “Gay” pode ter sido a palavra da comunidade muito tempo atrás, mas agora esse termo tem donos que o enviesaram para servir a suas identidades – homens como Andy Cohen, Ryan Murphy, Rufus Wainwright, homens que gozam de enorme alcanço e da habilidade de moldarem os gays mais jovens. “Gay” não é mais uma palavra forte – foi tão debilitada que seguradores de tocha poderiam carregá-la.
“Queer”, por outro lado, confunde. Confunde porque vai contra a obsessão contemporânea da taxonomia de gênero. Da wikipédia:
“O leque do que ‘queer’ inclui varia. Além das pessoas LGBT, esse termo pode abranger: pansexuais, pomossexuais, intersexuais, genderqueers, asexuais e autosexuais, e ainda heterossexuais cujas orientação sexual ou práticas sexuais os coloque fora do comumente definido como heterossexual, como praticantes de BDSM ou pessoas poliamorosas”
“Queer” é uma palavra incrível; coloca na mesa um lugar pra todo mundo, incluindo a mesma identidade “gay” que tanto afastou aqueles que se identificam como “queers” da maneira que essa palavra é significada agora. O que significa que identificar-se como “queer” é ficar tranquilo com sua masculinidade ou feminilidade, de forma que você não tenha que ficar constantemente atento à sua expressão de gênero. Surpreendentemente, quando você não está se odiando por ser minimamente afeminado, você acaba respeitando mais as mulhers. Você acaba desaprovando e até mesmo calmamente corrigindo aqueles seus amigos que se identificam como “gays” por seus “tapinhas amorosos”.
Da mesma forma que qualquer privilégio, o privilégio dos homens gays acontece e é perpetuado quando pessoas pressupõem a maior parte de sua identidade e permissibilidades durante a vida com base no componente biológico. A escritora feminista Peggy McIntosh escreveu, em seu artigo “Privilégio Branco: Revelando a sacola invisível”:
“Nós frequentemente pensamos em privilégio como um estado favorável, seja ganhado ou conferido a si por nascimento ou sorte. Ainda assim algumas das condições que eu descrevi aqui trabalham sistemicamente no empoderamento de certos grupos. Tal privilégio apenas confere dominância sobre a raça ou o sexo de alguém.
Desejo, então, distinguir força adquirida de poder não adquirido, conferido a alguém sistematicamente. O poder do privilégio não adquirido pode parecer força quando, de fato, permite que [o indivíduo] escape [de uma posição de assujeitamento] ou domine [outrém]. Mas nem todos os privilégios da minha lista são inevitavelmente danosos. Alguns, como a expectativa que vizinhos sejam decentes com você, ou que sua raça não seja usada contra você em um tribunal,deveriam ser a regra em uma sociedade justa. Outros, como o privilégio de ignorar pessoas menos poderosas, distorcem a humanidade daqueles que o possuem, bem como dos grupos ignorados.”
Mais uma vez, os comentários de McIntosh a respeito do privilégio branco masculino podem ser considerados também para os homens brancos gays. Como homens gays, nós temos sido largamente condicionados a acreditar que quando diminuímos mulheres é okay, porque nós também fomos vítimas de opressão e somos gays e que mulheres “entendem”. Questionar essa justificativa é tocar em todas os “silêncios e negações” que alimentam essas atitudes. Enquanto a apropriação politicamente correta da identidade gay quer dizer que “todo mundo é bem-vindo”, também significa que ninguém fala sobre a maneira como o privilégio masculino dos gays – que às vezes vem junto de privilégio branco de formas bastante evidentes – diminui as mulheres, às vezes de forma veemente.
Nós somos encorajados a não falar das maneiras que homens gays podem usar linguajar abusivo contra, ou em referência, ou mesmo na frente de mulheres. Nós somos encorajados a não fazer tal coisa a um ponto que quando tentamos agir nos interesses da decência, terminamos saindo como culpados.
Uma reconstrução da palavra “gay”, dessa identidade em particular e sua infeliz marca de privilégio que trivializa mulheres implicaria na adoção de uma mentalidade menos inclinada à definição da identidade baseada na biologia, e mais influenciada por interesses em comum. Então dois homens têm uma conexão não porque ambos têm uma inclinação a namorar outros homens, mas porque eles compartilham das mesmas visões de mundo. Isso tira o problema de focar em expressões de gênero, de sexualidade, e enfatiza na real conexão entre humanos por meio da experiência de vida compartilhada.

ROMPENDO COM O PADRÃO

Para redesenhar a atual pintura da identidade masculina gay seria preciso reorientá-la a uma aproximação amável que permita que homens gays deixem um lugar em suas mesas para todos os tipos de pessoas – não apenas aquelas que eles julgam relevantes para seus interesses. Seria tentando anular essa “persona gay ideal” do “affluencer”; significaria ter uns aos outros como modelos possíveis para homens gays mais jovens.
Significaria para muitos homens gays entender que um bairro como Chelsea em Nova Iorque, embora tenha sido, um dia, refúgio contra a pressão heterossexista, tornou-se agora entranha de um tipo de privilégio que seus primeiros moradores alimentaram – um lugar que pode até não discriminar por sexualidade, mas discrimina por classe e raça. Para progredir na forma como nos relacionamos com o mundo à nossa volta, seria importante que muitos de nós tomassemos consciencia de que existem comunidades onde nós temos bastante poder – e temos a habilidade de fazer os “gays” espelharem os “queer” – onde foquemos menos na exclusão, na criação de comunidades de pessoas que olham e agem exatamente como nós, e passemos a focar na inclusão. Também seria exigir um comportamento melhor – e esperar que muitos homens gays entendam que mulheres não existem para dar valor aos homens gays ao seu redor, nem vivem num universo paralelo. Remodelar a identidade gay significaria que entendêssemos a importância da linguagem e do espaço pessoal – e que “não tem problema, eu sou gay” não é mais uma desculpa pra qualquer tipo de comportamento impróprio.
Pode ser um longo caminho em direção aos direitos iguais, mas é inevitável. Estando os homens gays ganhando direitos iguais aos dos homens héteros, é nosso papel lembrar da história de sofrimento e marginalização – e que nós estamos, de muitas formas, começando a passar por cima das próprias mulheres que tendem a ser nossas primeiras apoiadoras depois que saímos do armário.
Não podemos olhar apenas para nossos umbigos. É nosso papel fazer melhor do que o cenário anterior, que tornava a vida das pessoas LGBT muito difícil. Agora é nossa responsabilidade assegurar que, se tem alguém tentando “subir”, nós lhe demos uma mãozinha. >>

[1] The Real Housewives é uma franquia americana de reality séries que documentam a vida de algumas donas-de-casa influentes que moram em diferentes regiões dos EUA.
[2] Tipo o Oscar do teatro americano.
[3] Escritor inglês.
[4] No google: Harlem é um bairro de Manhattan na cidade de Nova Iorque, conhecido por ser um grande centro cultural e comercial dos afro-americanos.
[5] Posteriormente, ela chegou a afirmar que a piada foi de mau gosto, entre outras coisas, ironizando a atitude do homem e demonstrando não ter ficado feliz com ela.
[6]Série original do Vimeo.
[7]Designer Chefe e Diretor Criativo da grife Chanel, bem como a casa de moda italiana Fendi e sua própria casa de moda homônima.
[8]Relativo ao filme O Segredo de Brokeback Mountain.
[9] Uma revista online americana voltada para mulheres e fundada por Jane Pratt.

“O mito da ‘Maria Purpurina’ e os segredos sujos da subcultura gay masculina”, de Rohln Guha

Um comentário sobre ““O mito da ‘Maria Purpurina’ e os segredos sujos da subcultura gay masculina”, de Rohln Guha

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